As crianças sempre nasceram frágeis e inocentes. Mas fomos nós que, ao respeitarmos o seu tempo para serem crianças, criámos a infância. Por isso mesmo, não podemos, hoje, permitir que os pais (ao reconhecerem às crianças direitos que elas não têm) e que a escola (ao ouvi-las de menos) e a Justiça (ao ouvi-las demais) façam com que a infância esteja à beira da extinção.
As crianças não são, hoje, mais inteligentes, mais expeditas e com mais personalidade do que sempre foram. E tenho, até, medo - talvez por as estragarmos menos, considerando os seus primeiros anos de vida - que elas parecem melhores em quase tudo. E que, à volta delas, e com o auxílio destes lugares-comuns, se crie a ideia de que reúnem as competências indispensáveis para que as estimulemos mais, trabalhem mais, esperemos mais delas e que tenham mais sucesso (sobretudo, na escola).
Crianças bem sucedidas são crianças cuja competência fundamental é serem crianças! Logo, teremos de chegar a um patamar em que se tenha de distinguir o que é aprendizagem indispensável e trabalho infantil. Porque, vendo bem, à boleia da ideia de que muita escola será mais sabedoria, há trabalho infantil que, não sendo remunerado, não deixa de representar a exploração dos tempos de uma criança com consequências trágicas para a sua infância. Escola demais é trabalho infantil! Com que ganhos, pergunto eu?
Vendo bem, o que é que caracteriza a infância? A curiosidade voraz. A ingenuidade. A infatigabilidade. A fúria de compreender e a genica de perguntar porquê. O grato reconhecimento de que são as pessoas que fazem a diferença. A firme determinação de crescer. A paixão de aprender. E o desejo de brincar. Por isso mesmo, quanto mais tempo tiverem para dedicar à sua infância mais as crianças crescem saudáveis. Se preferirem doutro modo: o fator de crescimento número 1 das crianças são os pais; sem dúvida. O tempo que têm para a sua infância vem em segundo lugar. A família em terceiro. E a escola em quarto. Um bocadinho ao contrário do que, agora, se passa com muitas crianças.
Mas vivemos num mundo estranho em relação às crianças. Nunca se deu tanta importância às crianças e nunca, considerando o último século, a infância foi tão desconsiderada. Ao mesmo tempo que “endeusamos” as crianças, imaginamos perigos e mais perigos a rodear o seu crescimento. E não reparamos, na maior parte das vezes, que, para a infância, o maior dos perigos somos nós. Às vezes, os pais não protegem a infância dos filhos! Protegem, isso sim, uma ideia idealizada de infância e a exigência de serem pais imaculados. O que não protege nem as crianças nem a infância. A infância devia ser aquilo que nos recorda, a todos, que somos pequenos. E não pode ser o pretexto para que, através dos seus filhos, os pais se achem grandes.
Por isso mesmo, parece-me que estamos, cada vez mais, a criar “crianças-iôiô”. Às vezes, puxando-as para cima, querendo que deem à nossa vaidade aquilo que elas não têm de nos dar. Às vezes, empurrando-as para baixo, considerando-as crescidas quando elas não o são e, de tanto as satisfazermos sem critério e sem crítica, tornando-as insatisfeitas e desinteressantes. Esquecendo-nos que elas são frágeis e que são pequenas. E que precisam de muito, muito tempo de infância para crescerem melhor.