O que mais me impressiona na escola de hoje é a sua semelhança com a escola que frequentei há mais de cinquenta anos. É como se o tempo não tivesse passado e eu me visse de novo nas velhas aulas do Liceu de Pedro Nunes, onde o saber só existia do lado do professor e os alunos tinham de estar sossegados para aprender sem ousar discutir.
Sei que passou meio século. Tanto tempo! E, contudo, muitos não conseguem ver como tudo deveria ser diferente.
Os estudantes movem-se com à vontade no mundo da internet, mas a sala de aula não tem computadores. Nos seus telemóveis, aprendem de modo horizontal a partir de sítios da internet ou através dos seus contactos com o mundo, mas a escola permanece com a obsessão de proibir os telemóveis, nalguns colégios até no pátio; e, em muitos casos, os professores falam sem parar a «dar a matéria», sendo poucos os que incentivam a pesquisa e o trabalho de grupo. No Liceu de Pedro Nunes de outrora os pais podiam falar diretamente com qualquer professor, agora tudo tem de passar pelo Diretor de Turma, em muitos casos um professor que pouco sabe do que se passa noutras salas de aula. Há cinquenta anos a ilegal Comissão Pró- Associação dos Liceus organizava conferências e outras iniciativas culturais, as Associações de agora são, quase sempre, grupos de estudantes que apenas organizam festas e viagens de fim de curso.
Sobretudo hoje vemos uma sala de aula onde predomina a desmotivação e o desânimo. Obcecados com o controlo disciplinar, os professores só pensam em «estratégias» para ter os alunos quietos e sossegados, sendo poucos os que perguntam aos alunos o que deveria ser obrigatório questionar: «Como acham que poderíamos melhorar a sala de aula?». Os estudantes dormem nas últimas filas ou contestam os professores de forma infantil e por vezes agressiva, porque já não são mobilizáveis por aquele velho método de ensinar. Nessas salas de aula da descrença, até entra a polícia de surpresa para revistar as mochilas dos alunos denunciados como «drogados», mas ninguém fala com os estudantes sobre os consumos. Tóxicos.
Perdidos numa burocracia imensa exigida pelo ministério, os professores fazem o possível, e alguns (poucos) conseguem inovar na relação pedagógica e servir de modelo aos seus alunos. Certos jovens são muito bons estudantes e merecem todo o nosso apoio, mas o que fazer perante os desmotivados, os descrentes e aqueles com muitos problemas?
A escola do século XXI terá de ser muito diferente. Em vez de passarem o conhecimento de «cima para baixo» (do alto do seu saber para o baixo da ignorância dos alunos) os professores devem preocupar-se com a construção do conhecimento, ou seja, como poderão transformar a sala de aula num grupo de trabalho cooperativo. A escola deve ajudar os jovens a conhecer o mundo e a singrar nele, em vez de ser uma máquina de produzir testes e exames (necessários mas não suficientes). O desporto, o teatro e a música devem ser valorizados, como veículos essenciais para o bem-estar dos mais novos.
Cada escola terá de ser autónoma, em ligação com a comunidade onde está inserida e com cada vez menos dependência em relação ao ministério gigante. Em vez de «chamar os pais à escola», os estabelecimentos de ensino terão de ter iniciativas onde os encarregados de educação se sintam bem, pela simples razão de que foram os alunos (seus filhos e educandos) os protagonistas da inovação.
A escola do século XXI necessita de uma mudança profunda, em que toda a comunidade educativa deve participar com esperança. Só o caminho do diálogo constante entre todos permitirá o progresso.
Daniel Sampaio
Professor Catedrático Jubilado de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Fundador da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar
Autor de vários livros sobre a família, a adolescência e a escola