– Que mochila tão pesada… – reclamou o meu pai, enquanto descia comigo as escadas do prédio.
– É só hoje. Amanhã estará mais leve – respondi.
Era o primeiro dia de aulas e eu não dispensava nada: juntamente com os livros, cadernos e todo o material que tinha de levar para a escola, na minha mochila estavam ainda as chuteiras que me acompanharam durante o verão, os biscoitos da avó Micas, a caneca do meu clube favorito e o conjunto de canetas especiais que tinha recebido da minha madrinha, “para te dar sorte no novo ano que agora começa”, dissera ela. Ah, e também um dos meus peluches pequeninos, que eu fazia questão de esconder no cacifo durante o ano inteiro e me recordaria o aconchego do meu quarto.
– Para que levas tu tanta coisa? – perguntou.
– Algumas são para ficar na escola.
O silêncio do meu pai disse-me que as suas dúvidas permaneciam.
– No final do ano passado, a professora Elvira disse que a escola é uma espécie de segunda casa, pois passamos lá muito tempo e aprendemos muitas coisas. – Fiz uma pausa para ter a certeza de que o meu pai seguia o que eu estava a dizer. – Então este ano eu lembrei-me de levar as chuteiras, os biscoitos que eu adoro, a caneca, as canetas e o peluche… O peluche é segredo, ouviste, pai? – O meu pai acenou que sim com a cabeça. Por fim, rematei: – Assim será mais fácil não me esquecer de mim.
O meu pai começou a rir-se.
– Não te esqueceres de ti?
– Sim – expliquei, com ares de pessoa crescida. – Quem eu sou, como gosto de jogar à bola, como a avó Micas e a madrinha gostam de mim. E dos amigos com quem vou ao estádio apoiar o meu clube.
Já estávamos dentro do carro quando o meu pai voltou à conversa.
– E o peluche é para quê? – perguntou, em tom de provocação.
Abri a mochila e tirei de lá o ursinho castanho.
– Para não me esquecer de que é divertido ser criança.
– Quando cresceres, vais ser um filósofo, Luís!
– O que é um filósofo? – perguntei.
– É… É uma pessoa que gosta de pensar sobre a vida e sobre as coisas que acontecem à sua volta. Acho que vais ser assim quando fores grande.
Eu não disse nada e pensei que, então, eu já era um filósofo.
Rosário Alçada Araújo Nasceu em Lisboa, em 1973. Licenciou-se em Direito na Universidade de Lisboa, mas cedo deixou a vida de jurista, rumo a Londres, onde realizou um mestrado em Sociologia da Comunicação. Foi também aí que se reaproximou do mundo da literatura infantil, quer através da frequência de um curso de escrita criativa para crianças, quer pelas suas próprias pesquisas em bibliotecas e livrarias. Em 2002 regressa a Portugal e escreve o primeiro livro para crianças – o qual, em 2003, é recomendado para publicação pelo Prémio Branquinho da Fonseca (Expresso/Gulbenkian). Muitas das suas obras são recomendadas pelo Plano Nacional de Leitura. Rosário Alçada Araújo é também formadora de Escrita Criativa. Obras da escritora