O que mais me impressiona na escola de hoje é a falta de reflexão sobre o que se passa na sala de aula. Professores e alunos vivem todos os dias como se não fosse decisivo refletir sobre aquele espaço e todos repetem comportamentos estereotipados que aumentam o seu mal-estar.
Os professores não meditam sobre a forma de exercer a sua liderança. Esquecem que deverão ser líderes e não chefes da aula, porque o líder é aquele que se propõe e é aceite, enquanto o chefe é o que se impõe por um recurso de poder. Obcecados com o controlo disciplinar, em breve resvalam para o autoritarismo, onde tantas vezes cabem os gritos, as faltas disciplinares e a expulsão da sala de aula, a maneira mais fácil com que fingem resolver o problema. O autoritarismo é arrogante, mas frágil, porque o professor autoritário sabe que vive num logro, o seu grito é a constante cortina onde se esconde a sua incompetência pedagógica, afinal a impossibilidade de contribuir para que aqueles jovens possam aprender e compreender o mundo. O professor tenta ser chefe, experimenta exercer o poder que lhe é transmitido pela instituição e tantas vezes guarda o saber para si próprio, porque receia a incerteza que pode resultar se o partilhar com os mais novos.
Alguns docentes introduzem vídeos, diapositivos, excertos gravados, fotografias. É preciso dizer bem alto que essas atividades são com frequência levadas para controlar comportamentos e não para inovar a sala de aula. Nesta perspetiva afinal moralizante, não admira que esses procedimentos acabem por provocar tédio e levar a que muitos alunos adormeçam, tirando partido da sala obscurecida.
Felizmente, temos ainda muitos professores que ousam inovar e que precisamos de estimular cada vez mais.
E os alunos? Quase nunca são solicitados a dar opinião sobre a sala de aula. São uma espécie de tribo à procura de um líder. Alguns estão quietos junto à mesa do professor, muitos alteram o jogo proposto - « Eu sou o chefe e tu vais ficar atento, calado e quieto durante 90 minutos, se não o fizeres vais para a rua» - e subvertem a ordem, propondo um novo jogo, de forma clandestina ou abertamente hostil e desrespeitosa. Depressa este novo jogo toma conta da sala e os alunos «malcomportados» (uma designação cheia de equívocos e não ditos) tomam conta da aula. Neste sentido, a indisciplina que desorganiza a sala de aula e impede tantas vezes a aprendizagem pode ser vista como um jogo sem fim, um combate sem tréguas entre a proposta de contenção por parte do professor e a proposta de diversão lançada pelos alunos.
A sala de aula das nossas escolas básicas e secundárias transformou-se num local de oposição entre dois mundos: de um lado, a cultura de um lugar sagrado onde é preciso obedecer sem crítica às normas ditadas pelo professor; do outro lado a contracultura de transgressão juvenil, mais ou menos organizada a partir de uma complexa teia de relações, de acordos quase nunca cumpridos e de compromissos que ficaram por definir.
Não podemos continuar assim. A sala de aula não é um espaço inerte nem um campo de batalha. É um espaço físico dinamizado pela relação pedagógica, onde professores a alunos deverão ser chamados a intervir, na procura de um clima relacional onde todos possam crescer.
Daniel Sampaio
Professor Catedrático Jubilado de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
Fundador da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar
Autor de vários livros sobre a família, a adolescência e a escola