A alvura da folha branca de papel que nos encara e desafia era o despertar de mil e uma aventuras, como se de um imaculado manto de neve se tratasse, o esperado e desejado manto de neve, que cobria a cidade e me deixava de nariz colado ao vidro das janelas, a bafejar, com o indicador, no meu caso o esquerdo, em longas pichagens, termo atual, até os flocos pararem de cair, sinal para o desvirginar. Bastava um pequeno borrão, dois, três, de tinta azul, deve ter sido desta forma que me foi revelada a minha veia clubística, e logo o herói Carvalho Araújo defendia o navio atracado no recreio da Escola dos ataques alemães; o mascarilha esquivava-se dos ouriços lançados pelos inimigos escondidos nos frondosos castanheiros, que acabavam sempre derrotados, para gáudio da barriga no tempo do S. Martinho. Até os jogos de futebol no campo pelado do austero Seminário entre batinas e calções, que ia assistindo à medida que os centímetros permitiam colar o queixo ao muro, eram motivo para na redação, com alguns erros sinalizados a vermelho, inventar mais uma saga dos Cinco contra os corvos gigantes. Mas a magia da Escola não terminava com o soar da sineta. Em casa, o relato do dia ia sendo atropelado pela azáfama do jantar, que, servido, somente à primeira engasgadela seguia o rumo normal de uma refeição em família, sem televisão. O João Pestana aparecia quase sempre às últimas garfadas, o que fazia sobressair ao olfato da minha mãe o cheiro a raposinho, rapidamente combatido pelo esfrega esfrega do sabão macaco, o esfrega emoções. Era o mesmo olfato que me pedia um raminho de alfazema, que povoava o recreio da escola.
– Fica a roupa a cheirar bem nos gavetões!
Até hoje, ao viajar, o Cávado, o Lima, o Douro, as serranias do Marão e do Alvão, a Gardunha, os trilhos férreos do Tua, o “Vouguinha”... cheiram a alfazema.
Os meus primeiros anos de vida escolar deram-me asas para aprender a voar e lançaram as bases para uma aprendizagem ao longo da vida através das artes, algo que ainda hoje não se implantou na esmagadora maioria dos estabelecimentos de ensino. À medida que avançavam os anos, ia-se perdendo a magia da Escola, a magia que nos permite sonhar, que, como diz o Poeta, comanda a vida. Mas as raízes estavam lançadas, ainda por cima em terras “onde mandam os que lá estão”. Toda esta riqueza, que não é percetível quando dela estamos a usufruir, caminha comigo e tem sido distribuída sem juros, especialmente por todos aqueles em que os sonhos foram apagados. Como professor, fiz off ao ensino atual. Como autor, fechei a sete chaves a exagerada pedagogia, rotuladora dos castrantes percursos académicos, e passei a chamar-lhe herói Carvalho Araújo, mascarilha, corvos gigantes, alfazema... e tantos, tantos outros nomes, que tenho a certeza serão o orgulho desta ciência que tem como objeto de estudo a educação, o processo de ensino e a aprendizagem. E, já agora, inspirem... sintam o cheirinho a alfazema e deixem a Escola pensar e sonhar.