Eu não seria praticamente ninguém se não tivesse andado na escola.A meia dúzia de escolas onde andei – as escolas primárias da Voz do Operária na Ajuda em Lisboa, a Escola Primária dos Olivais em Coimbra, o Liceu Normal D. João III, a Universidade de Coimbra e, para pós-graduação, a Universidade Goethe em Frankfurt am Main, na Alemanha – foram minhas amigas.E eu fui amigo delas. Tomaram o meu tempo ao longo de 20 anos: comecei aos seis anos na primeira classe (na época o jardim de infância não era ainda comum) e só terminei aos 26 anos com o doutoramento em Física (na época era normal obter esse grau académico fora do país). As escolas que frequentei sobrepuseram-se umas às outras: por baixo a escola primária, ao longo de quatro anos, e logo a seguir o liceu, ao longo de sete anos. Parafraseando Newton, se consegui ver mais longe é porque estava aos ombros das escolas que frequentei.
Chorei no dia em que o meu pai me levou pela primeira vez à escola, pois, sem a necessária experiência, não sabia ainda que a escola era minha amiga. De facto, foi, pois desenvolveu a leitura das letras e a contagem dos números que eu já sabia com a ajuda da família ensinou-me muitas coisas que os meus pais não sabiam. Mudei-me para a “cidade dos estudantes” ao fim da primeira classe, com um diploma na mão que ainda hoje conservo. Lembro-me dos primeiros exames, o da quarta classe e, mais stressante, por ser fora da minha escola, o da admissão aos liceus, com prova oral e tudo. A verdade é que não voltei a fazer exames até andar na universidade, pois no liceu podia-se dispensar de provas finais se se tivesse boas notas de frequência. E eu tive-as, antes da entrar, um de quatro alunos (éramos quatro como os mosqueteiros), no curso de Física, na antiga universidade. Para que servia esse curso? Não tinha resposta para essa pergunta, que o meu pai me fez antes da matrícula, mas, passados muitos anos, sei que dá para tudo e mais alguma coisa.
Se devo quase tudo o que sou às escolas, tenho de esclarecer que isso é o mesmo que dizer que devo quase tudo aos meus professores, primeiro os professores da primária em Lisboa e em Coimbra, depois os professores liceais em Coimbra e, por últimos, os professores universitários. Cedo aprendi a confiar neles, por ter percebido que eram meus amigos. E eu fui amigo deles. Naturalmente que gostei mais de uns do que de outros, mas com todos eles aprendi mesmo quando julgava que não. Numa única ocasião, tive uma nota negativa no fim do período, na disciplina de Desenho: eu até tinha algum jeito para o desenho livre, mas aquilo era desenho geométrico, demasiado rígido para o meu gosto… Foi uma vacina pois subi logo a classificação no período seguinte. No liceu fiz teatro (fiz de espectador numa peça do José Régio), experiências laboratoriais (incluindo a dissecação de peixes), visitas de estudo (lembro-me bem de uma ao laboratório de Física da Universidade, onde mais tarde haveria de entrar), desporto (fui guarda redes de andebol), etc. Havia actividades (fiz aeromodelismo e jornalismo) e concursos (ganhei alguns de pintura). Havia alegria e companheirismo.
Dito isto, devo acrescentar que devo o resto do que sou aos livros, que encontrei na biblioteca escolar do liceu e na Biblioteca Municipal de Coimbra. Nos livros de divulgação da ciência, como os de Rómulo de Carvalho, aprendi, mais do que nalgumas aulas, que o conhecimento era uma grande aventura da qual eu, ainda que modestamente, podia ser parte…
A escola é uma das maiores invenções da humanidade. É o meio que a sociedade criou e foi desenvolvendo ao longo dos tempos para entrar no futuro. Eu entrei para o meu futuro pela porta da escola, com a ajuda dos meus professores. Estou-lhes por isso imensamente grato.
AS MINHAS ESCOLAS
Carlos Fiolhais*
*Professor de Física da Universidade de Coimbra